5.12.06

Sempre um homem no deserto

Lá vai o homem do deserto.
Conhece em profundidade mistérios da humanidade.
Conhece satisfatoriamente a arte da pulsão de vida.
Controla a seu bel-prazer a angústia da pulsão de morte.
Escreve a respeito da dor e do prazer como escreveria um poema tolo.
Respira a existência hiper-sensível ultra-experienciada.
Resvala-se na multidão acumulada ao redor.
Alegra-se em conjunto e pranteia em solidão.
Divide suspiros em momentos de insensatez.
Guarda carinhosamente a derrota em se tratando de amor.
Manuseia máscaras como em belos carnavais de outrora.
Lá vai o homem do deserto.
Sempre um homem no deserto.

17.11.06

It's december

à minha Lou Salomé


It’s the beginning of december
Time when the flowers bloom
But there’s a little flower
That will bloom in other fields
Fields full of colours
Empty of love by me


In my tender age I feel as one
And she feels as the whole world
Oh, God, leave her a kiss of mine
Leave her a kiss of mine
On her sweet cheek
On her marvelous mouth


Wonderful summer butterfly
That passed by me and didn’t say goodbye
Found a shelter for the winter
So far away from my view
Found a shelter for her heart
In another heart, not mine

11.11.06

Ser e tempo na pós-modernidade


Sinto o tempo passar. Faz algum número grande de dias que escrevi aqui. Não que não tenha efemérides para publicizar. Na verdade, seria o contrário. Sou, agora, a própria efeméride. Já não consigo sequer escrever sobre o efêmero desde então.

Olho para dois anos atrás. Quatro anos. Seis meses. Seja qual for o tempo em retrospecção, sou-me outro. Ou seja, já não sou-me. Sou algo. Sou-me sem ser-me. E amanhã serei um outro mais.

Os relógios derretem, mas o tempo perdura: presente perpétuo que me faz ser um a cada dia e ninguém ao longo da existência.

28.10.06

Transcendental e Absoluto em dois segundos

Falar sobre o efêmero é falar sobre a eternidade. Sim, pois o efêmero é toda a Realidade. O Vivo, o Absoluto, o Transcendental é tudo aquilo que amanhã de manhã já não existirá mais. Tudo o que será passado no instante seguinte é o futuro que nunca alcançaremos. Isso serve de consolo: meu dia hoje não teve nada. Alcancei o Absoluto. Transcendi sem sair do quarto. Agora vou fazer xixi.

12.10.06

Mais do mesmo - modificado

O mesmo modificou-se para acompanhar a contemporaneidade. O fascismo tem sua versão neo; o populismo também, assim como o liberalismo. É assim que identifico nos dois candidatos do segundo turno presidencial apenas o reaparecimento do retrocesso: ambos são neo-liberais. Contudo, Alckmin encarna em sua candidatura-chuchú aquilo que Boaventura Sousa Santos chama de fascismo societal - um neo-fascismo que ultrapassa os limites do fascismo político de Mussolini e alcança o mais profundo tecido moral de uma sociedade. Decidi, então, que é melhor votar no projeto neo-populista do sapo barbudo. No primeiro turno anulei meus votos votando na legenda 99 (com excessão do voto dado em Wagner-13 para governador com o intuito único de derrotar o carlismo) por considerar o voto em primeiro turno um voto de concordância programática - a qual não tenho com nenhum projeto político existente hoje em nosso país. No segundo turno, no entanto, vale o voto estratégico, não-passional, racional. E é aí que o projeto do lulismo com toda a sua mediocridade intrínseca consegue ser ainda melhor do que o projeto neo-fascista societal. Voto Lula, voto 13. Argh! Como me dói dizer isso...


28.9.06

Argumento liberal para a não-demonização do voto nulo

O voto é a principal instituição da democracia liberal. É através dele que são escolhidos e legitimados aqueles que comporão o governo (executivo e legislativo). Nesse sentido, enquanto delegação a outro da própria vontade, o voto deve ser creditado a uma personalidade política e a um projeto político com o qual o eleitor-cidadão convirja. Em casos nos quais, devido à inexistência de projetos políticos que contemplem os anseios do eleitor, o cidadão vota em um projeto que lhe é estranho e distante por falta de uma opção mais adequada, uma parte da soberania cidadã é perdida. De fato, assim ocorrendo, o eleitor confere legitimidade a um não-representante, o que, segundo Locke, configura tirania. Desse modo, se é verdade que o voto é instituição de tão grande importância, contudo não adquire validade por si só, mas apenas em referência ao projeto político que representa e a proporção do eleitorado que lhe creditou legitimidade. No Brasil, a despeito da novidade da instituição devido a nossa recente democracia, uma considerável parcela do nosso eleitorado parece disposta a anular o voto. É de se questionar a natureza desta disposição: a) uma recaída na tentação autoritária? b) descrença oriunda de uma frustração em relação a um governo eleito sob o signo da mudança? c) demanda por projetos políticos novos que não é contemplada pelas opções apresentadas? Na confusa cena política da sociedade civil nacional as três possibilidades parecem se fundir. Destas, a terceira me parece a mais saudável e não deve ser combatida. A delegação da representação não deve se pautar pela lógica do “menos pior” em um realismo empobrecedor e castrante, mas deve, principalmente em um contexto de primeiro turno, se pautar pela legitimação de um projeto com o qual se concorda mais do que se discorda. A atual conjuntura política nacional incita boa parte do eleitorado a desejar o novo. Numa democracia substantiva esse novo deve se fazer surgir em vista de contemplar democraticamente os anseios por representação por parte dos seus cidadãos insatisfeitos. O voto nulo é parte do nosso sistema eleitoral e, portanto, um direito democrático. Não deve, contudo, ser a regra, posto que um país precisa de governo. Mas um alto índice de anulação nos permite perceber que a incompetência da democracia formal em responder aos anseios do nosso povo exige a conquista de uma democracia plena, onde direito político se converta em direito social. Já conquistamos o direito de votar e isso é positivo. Agora é o momento para avançarmos historicamente, como diz Bobbio, e que o voto sirva não para a manutenção de privilégios, mas para a legitimação de projetos políticos que atendam aos anseios dos representados. Tentar impor aos cidadãos a idéia de que se deve votar seja em quem for apenas porque anular o voto é negativo é uma atitude despolitizadora, assim como pensar que votar nulo é votar para mudar a situação. Votar nulo é simplesmente a indicação de que algo vai errado com o sistema político; a curto prazo sinaliza para a vitória daqueles candidatos que serão votados, de uma forma ou de outra, mas a longo prazo permite-nos a construção de novas alternativas. Dizendo de forma liberal: quem se sentir representado, vote; quem não se sentir representado, anule e busque, civicamente, construir um novo caminho, sempre respeitando o regime democrático.


Vejam também o debate aqui, onde este texto foi originalmente postado.

25.9.06

O espetáculo deprimente e deprimido

A revista CartaCapital desta semana traz uma boa reportagem que tenta explicar a vitória cada vez mais perto do candidato Lula, apesar dos diversos bombardeios midiáticos com denúncias acerca de irregularidades e corrupção em seu governo ou envolvendo petistas. Fugindo das explicações imbecis tão correntes no meio pseudo-intelectual, como a explicação “Lula ganha porque o povo é ignorante”, a revista tenta demonstrar como se processa a racionalidade do nosso eleitorado. O eleitor da massa vota em Lula apesar da enxurrada de denúncias contra seu governo por considerar que este é melhor do que anteriores e não por um cinismo que domina o povo brasileiro. Mas o mais interessante é percebermos que a mídia não manipula a massa a seu bel-prazer: a despeito do que gostaria a mídia e contra seus esforços, a massa vota em Lula. Sorte da nossa classe dominante que Lula, apesar de ser menos retrógrado do que Alckmin, não afeta a estrutura social interna nem modifica a inserção econômica subalterna do Brasil na divisão internacional do trabalho. Nem tampouco a política perdeu seu caráter de despolitização no governo Lula. Seguimos nosso caminho através de uma política mais espetacular do que nunca.

E é sobre essa despolitização que, na verdade, eu queria falar. Ao passear de carro pela cidade no domingo me deparei com o costumeiro cenário pré-eleitoral: muros pintados com nomes dos candidatos, outdoors políticos, distribuição de panfletos e os porta-bandeiras remunerados. Da direita à (sic) esquerda, a indiferenciação é absoluta na campanha eleitoral: candidatos do PCdoB e PT dividem “democraticamente” o mesmo muro com candidatos do PFL e PP. Nada de propostas e até o nome do partido aparece, quando aparece, apenas de soslaio. O que interessa é divulgar nomes. Apenas isso. O argumento da (sic) esquerda é deprimente: “a lógica estrutural da eleição é essa; no poder nós mostramos em que diferimos”. Ora, não seria a eleição, segundo sua própria definição, o momento de se demonstrar publicamente os diversos projetos para que o eleitorado escolhesse o projeto nacional que mais lhe agradasse? A questão é que os projetos hoje são muito pouco diferenciados: diferenciam-se ao nível mais superficial, mas assentam-se sobre a mesma estrutura (tal é a diferenciação Lula – Alckmin). E a estrutura fundamental é o espetáculo.

No entanto, o espetáculo já dá mostras de um cansaço – ao menos no âmbito da política. Cansaço que verifiquei nos rostos dos porta-bandeiras remunerados que encontrei nas ruas. A fisionomia não enganava: a tristeza de ter que passar a tarde de domingo segurando uma bandeira que lhe é completamente alheia para descolar uma grana que não lhe permite mais do que comprar um pão e leite ou, a depender, uma cachaça. As pessoas que pela rua passavam também demonstravam o mesmo ânimo ao receber os panfletos no sinal fechado: nem olhavam, apenas dobravam à espera da primeira oportunidade de jogá-lo no lixo.

Tal é a cara atual da nossa política: deprimida e deprimente, enquanto caminhamos alegremente à vitória racional de Lula no primeiro turno...

11.9.06

Cinco anos depois...

O terrorismo visa o capital, mas se engana de inimigo e ao fazer isso visa seu verdadeiro inimigo: o social. O terrorismo responde com um ato hiper-real, imediatamente destinado às ondas concêntricas dos meios de comunicação e da fascinação, imediatamente destinado não a alguma representação ou consciência, mas à desaceleração mental por contiguidade, fascinação e pânico, não a reflexão nem à lógica das causas e dos efeitos, mas à reação em cadeia por contágio. Desprovido de sentido e indeterminado como o sistema que ele combate, em que ele se insere como um ponto de explosão máxima e infinitesimal e, por isso, profundamente homólogo ao silêncio e à inércia das massas.



Não se pode dizer que a era das maiorias silenciosas produz o terrorismo. É a simultaneidade dos dois que é assombrosa. Acontecimento que marca o fim do político e do social.



O terrorismo não visa de modo algum desmascarar o caráter repressivo do Estado (essa é a negatividade provocadora dos grupelhos, que aí encontram uma última oportunidade de serem representativos aos olhos das massas). Ele propaga, por sua própria não-representatividade e por reação em cadeia (não por demonstração ou tomada de consciência), a evidência da não-representatividade de todos os poderes. Aí está sua subversão: ele precipita a não-representatividade injetando-a em doses infinitesimais mas bastante concentradas.


O terrorismo violenta o Sentido, não detém legitimidade social nem apresenta prolongamento político, não tem história alguma. Seu único reflexo é sua narração, sua onda de choque nos meios de comunicação. Ora, essa narração não é de natureza objetiva e informativa. Talvez esteja numa ordem, como o terrorismo, que não é do Sentido nem da representação - talvez mítica, sem dúvida simulacro.



O terrorismo atual, inaugurado com a tomada de reféns e o jogo adiado da morte, não tem objetivo (se tem é justamente o meio mais ineficaz de atingi-los) nem inimigo determinado. Sua cegueira é a réplica exata da indiferenciação absoluta do sistema, que há muito tempo não distingue os fins dos meios, os carrascos das vítimas. Seu ato visa, na indistinção assassina da tomada de reféns, exatamente o produto mais característico de todo o sistema: o indivíduo anônimo e perfeitamente indiferenciado, o termo substituível por qualquer outro. Os inocentes pagam o crime de não serem nada, de serem sem destino, de terem sido despossuídos de seu nome por um sistema também anônimo, de que eles se tornaram, então, a mais pura encarnação.



(Excertos retirados do livro À sombra das maiorias silenciosas: o fim do social e o surgimento das massas, de autoria do sociólogo francês Jean Baudrillard)

6.9.06

Dois vídeos e algumas idéias

Vou postar aqui dois vídeos para vocês não terem sequer o trabalho de abrir outra página através de um link (mentira, pois é apenas por falta de assunto e pela necessidade de atualizar o blog).

Vejam primeiro um vídeo legal e engraçado, com uma boa crítica ao fanatismo religioso cristão (em tempos de crítica cega ao fanatismo dos outros - os muçulmanos).



Muito bom e pertinente, não? É incrível como é adequada a comparação com o nazismo e com o comportamento performático de Hitler.

Mas vocês devem ter reparado que no fim aparece uma menininha, né? Pois é. É dela a voz de ganso grasnando como se estivesse com uma brasa acesa na cloaca. As igrejas neopentescostais têm realizado um trabalho sistemático de produção destas aberrações animalescas. Agora vejam o vídeo sem edições, a não ser pela legenda engraçadíssima.



Onde vamos parar com esta mistura de fanatismo brutal com religião de mercado? Repararam como a menininha-tornada-monstro alerta os ouvintes-imbecilizados sobre a importância do dízimo (contribuição financeira para a igreja)? Talvez ela nem saiba que diabo (desculpem-me o "diabo", quando estou falando de religião) significa, mas ela foi treinada e adestrada para falar sobre isso...

Enfim, a situação é triste.

Pelo menos fiquei alegre ontem. Marilena Chauí deu uma belíssima aula sobre "Mídia e Poder no Brasil contemporâneo" aqui em Salvador, na Faculdade Visconde de Cairu. Parecia a Sorbonne quando do maio de 68, quando os estudantes lotavam a universidade para ouvir Sartre e Guy Debord... (Exagero, é verdade. Mas desculpem-me pela minha vontade apaixonada.) Mas o fato é que a organização do evento esperava cerca de 600 pessoas e mais de duas mil compareceram. Os seguranças chegaram a fechar a faculdade, mas houve protestos para que o portão fosse reaberto. E foi. Assisti a palestra espremido, em pé e através de um telão, posto que o auditório não comportava mais sequer uma formiga anã. Mas foi bonito ver jovens de todos os tipos ansiosos por um pouco de conteúdo. Foi bonito ver rostos concentrados enquanto Marilena Chauí falava sobre indústria cultural, falsificação da realidade, simulacro e espetáculo. Valeu a noite.

Aleluia. Glória à Deus. Amém.

31.8.06

Durkheim, Freud, carona, sexo e fé

Durkheim defendia que o leit-motiv da sociologia seria o fato social. Hoje entendi o que ele quis dizer ao pegar uma carona que mais me atrapalhou do que ajudou, pelo simples fato de que não consegui um meio polido de negar. Nem sempre sou tão educado, mas o fato é que havia interesses sexuais por trás desta conduta. Freud explica.

Há, pelo menos, o reconforto pelo fato de que, no dia anterior, ao ser abordado por uma integrante do Seicho-no-ie que queria me livrar do Mal, eu disse um severo e seco Não!. Ela retrucou, É de graça. E eu mais rude, Sei, sei, mas dê para alguém que não vá jogar no lixo... Ah, como me senti bem!

A grande intolerância da democracia, como diria um colega meu, é que ela impõe intolerantemente a tolerância. Ora, se alguém tem o direito de ser religioso e de pregar sua fé, eu também tenho o mesmo direito de pregar a não-fé e recusar-me ao diálogo. Sem fundamentalismos. Cada um ficando na sua, como diz a plebe.

Quanto à menina da carona... Aí é outra história...

24.8.06

Mais acerca das eleições e voto nulo

Lula avança nas pesquisas e alcança 56% das intenções de voto válido. Se a perspectiva se confirmar, ganha fácil no primeiro turno. No fim das contas, talvez seja melhor do que o retorno do tucanato. Mas mantenho firmemente a minha intenção de anular o voto. Como dito em post anterior, esta minha intenção deriva da constatação da ausência de uma força política nacional que defenda algo ao menos parecido com o que denominei desenvolvimento triplo, o único possível para nos colocarmos na rota das benesses do sistema capitalista mundial. Sim, pois do capitalismo temos apenas as desgraças: somos campeões em juros altos, analfabetismo funcional, prostituição e trabalho infantil, monopólio dos meios de comunicação, corrupção institucional dentre outros títulos nada louváveis.

Qual o equívoco na análise dos intelectuais e militantes de (sic) esquerda? Eles constroem suas análises pautadas apenas em parâmetros nacionais. Olham o passado, vêem a ditadura militar e pensam: avançamos! Basta olharmos o resto do mundo para percebermos que, não obstante esta democracia medíocre ser melhor do que a ditadura, pouco avançamos. O Brasil continua como um país inserido na divisão internacional do trabalho como exportador de commodities (produtos primários como soja, algodão, cacau, madeira, folha para o chá dos ingleses, animais para zoológicos e centros de pesquisa, trabalhadores braçais para os países centrais, prostitutas, jogadores de futebol etc). O olhar interno nos dá um panorama de ordem democrática estável que, ao ignorarmos o olhar externo, nos mantém excluídos da rota do desenvolvimento mundial.

Não farei campanha pelo voto nulo. Apenas quero uma renovação das forças políticas atuantes no cenário político nacional, o que me leva a votar nulo como manifestação individual. Chega da política da mesmice medíocre! O candidato Alckmin chega a dizer que em sua gestão vai manter e aprimorar o Bolsa Família. Aí vem Lula e diz: o Bolsa Família é uma maravilha. Para além da mediocridade em si do programa, tal fato demonstra como os principais candidatos falam sobre as mesmas coisas e defendendo as mesmas coisas. Chegamos ao ponto do governador Lúcio Alcântara (PSDB), do Ceará, trocar na propaganda eleitoral a companhia de Alckmin pela de Lula. Devido à semelhança programática, fica-se com quem está ganhando. Ora, a política é o espaço do conflito também. Onde está o conflito em termos de programas políticos na política institucional brasileira? É disto que se trata: da repolitização da política. Algo distante da massa, sei. Por isso não faço a campanha pela anulação e minha participação se resume à retórica deste blog. Tal processo precisa surgir dentre os atores políticos nacionais. E é aí que o pessimismo entra em cena.

22.8.06

Justificativa pública da anulação de meu voto

Muito tem se falado nestas eleições a respeito do voto nulo, principalmente depois que a MTV Brasil veiculou uma vinheta o defendendo. De fato, o percentual de votos nulos tende a ser um pouco elevado este ano, o que causou certa preocupação aos institucionalistas. Daí a campanha do TSE veiculada na TV aberta sobre a importância do voto. Não nego tal obviedade. Basta termos um mínimo de visão histórica para notarmos que o voto foi uma grande conquista civilizacional para o povo brasileiro e um tanto quanto recente. É, sem dúvida, triste que, nem bem se assentou, o voto já seja alvo de grande descrédito.

No entanto, vi recentemente uma pesquisa afirmando que cresceu percentualmente este ano o número de jovens entre 16 e 18 anos que, não sendo obrigados a votar, tiraram seu título de eleitor. Ora, bolas! Parece haver uma contradição aí... A política não está sem credibilidade? O voto nulo não é uma ameaça? A resposta a primeira pergunta é: não de forma absoluta. A resposta a segunda é: não de forma absoluta.

Os jovens querem participar da política e, inclusive, da política institucional (nos limites da ordem jurídica do país). Apenas não querem votar em nenhum dos candidatos apresentados. O que é normal, posto que esta é uma alternativa oferecida pelo próprio sistema.

Se entrarmos no mérito da teoria da representação, chegaremos à idéia de que o voto no primeiro turno é um voto de identificação, um voto ideológico. No segundo turno, o voto é estratégico (menos pior). Ora, se não houver identificação com nenhum candidato, o que obriga o eleitor a legitimar um programa político com o qual mantém mais discordâncias do que concordâncias?

Não há o que temer. Os jovens que pretendem votar nulo fizeram questão de tirar o título! Apenas querem outra política, com P maiúsculo.

As raízes da onda de anulação do voto (que nem será tão grande assim; talvez um pouco maior que o normal entre os estratos juvenis de classe média) estão claras: o decepcionante mandato do presidente Lula. Não digo que o governo Lula foi igual ao governo tucano. Identifico alguns avanços no processo democrático, na redução da velocidade da devastação neoliberal e até mesmo algumas áreas e projetos interessantes dentro do governo. Contudo, a mudança não foi substancial e o Brasil continua caminhando alegremente rumo ao ostracismo mundial. (Não se enganem com as aparições de Lula no exterior como o presidente dos pobres do mundo inteiro!)

Enquanto China, Índia, Coréia do Sul, Chile crescem a taxas de 10, 8% ao ano, nós crescemos 3%. Enquanto as taxas de juros nacionais medem em média 8% ao ano, a nossa é 17%. Enquanto importamos TVs com tela de LCD para a elite comprar, este bem já é universalizado no Japão e nós exportamos a soja de um ou dois latifundiários. Apenas 15% dos jovens brasileiros já tiveram acesso ao computador alguma vez na vida... Imaginem! A TV mostrou alguns jovens tocando pela primeira vez num mouse, como se tivessem mal de Parkinson. E isso na zona urbana de uma metrópole. Enquanto isso, o filho de um pequeno produtor de algodão na zona rural do Missouri conversa com os amigos através do Skype em seu notebook. Meu Deus! Isso significa, simplesmente, que estamos fora da rota de desenvolvimento. Não somos o país do futuro e não estamos sequer no século XXI...

Certo. Certo. Sei que tudo isso é histórico e não é culpa de Lula. Mas este também é o argumento histórico para não fazermos nada! Falam: “Isso é assim há muito tempo.” Como quem quer falar: “Isso continuará assim por muito tempo.”.

Precisamos de revolta. Revolta por uma nova política. Política que tenha como norte o desenvolvimento triplo – econômico, social e cultural. Alckmin-ACM ou Lula-Sarney definitivamente não são parâmetros para tal projeto emancipatório. Tampouco a candidata da blusa branca de babador que odeia os gigolôs safados e vagabundos do FMI.

Pelo amor de Deus, deixem-me em paz e livrem-me destes trastes.

Meu voto não é nulo por princípio (o que seria imbecil), mas pela situação. Votarei com gosto quando surgir na cena institucional uma força política com um projeto nacional que se aproxime do desenvolvimento triplo.

Até lá, resta-nos as lutas na sociedade civil.

21.8.06

O Depois

Dores e mal-estar se foram.
Efêmeras que são.
Ou que foram.
Tanto foram que foram.
E eu fiquei.

(Uma pena!)

19.8.06

O limite da decadência

- Vi em outra comunidade e achei muitu legal!
a pessoa acima eh lindo(a),bonito(a),pegavel ou NEM FUDENDO!?

- Linda Bonita e Pegavel.

- NEN FUDENDU!!!!
credu eim xuta q é macunba!(nada contra e muito menos a favor tha )

- pegavel....vc deve ser meio chata pelos sem coments

- É SEMPRE O MESMO MENINO?
hahahauihiuashisuahsa
CACETE.

- Aff nem fudendo! heheh

(...)

13.8.06

Globo e Al-Jazeera

A Globo teve de levar ao ar um vídeo do PCC.
Mantidas as devidas proporções, a emissora teve seu dia de Al-Jazeera.

Há uma política dividida no Brasil: a legal (Congresso, Judiciário) e a ilegal (PCC, Congresso, Judiciário etc). Ambas se relacionam e se retroalimentam. De vez em quando até a Globo se vê às voltas com a realidade.

Consolo pobre, mas ainda consolo. Para um verme, ver quem se encaminhava para esmagá-lo tropeçar já é uma satisfação.

Lula em Salvador - Diário de campo

Fui à caminhada de Lula em Salvador com a curiosidade típica de um sociólogo. Os fatos presenciados, os discursos ouvidos e a multidão emocionada me levaram a tecer alguns comentários.

  1. Lula é o maior fenômeno político nacional desde Vargas e Kubistchek. Isto não necessariamente significa algo positivo.
  2. Os escândalos políticos ocorridos ao longo do governo Lula levaram a população à descrença em mudanças estruturais na sociedade e não à descrença no carismático presidente. A lógica de pensamento é a seguinte: o Brasil é isso mesmo, não tem como mudar; Lula tenta, mas sozinho não pode fazer nada. Há uma certa razão nisso, mas posto desta forma o conservadorismo opcional, além dos constrangimentos estruturais, do governo Lula é legitimado: o presidente continua em alta enquanto nada (ou muito pouco) muda.
  3. A militância partidária continua com a cabeça nas nuvens e incapaz de enxergar a realidade a um palmo do nariz. Quando o retrógrado Geddel Vieira Lima subiu ao palco e discursou em defesa de Lula – Wagner algumas vaias se fizeram ouvir. Ora, Geddel faz parte, agora, do bloco de Lula e estava no palco devido ao convite presidencial. Mas os ingênuos militantes não conseguem entender que a realidade que eles vivem em seu cotidiano, em DCEs e Sindicatos, quando discutem até mesmo (sic) a revolução já foi há muito tempo deixada para trás pelos dirigentes de seus respectivos partidos, a despeito de seus respectivos programas.
  4. A política em sua versão “democracia representativa liberal burguesa” está, hoje, tão distante do cotidiano que as pessoas sentem-se bem pelo simples fato de ver o presidente.
  5. A esquerda está completamente submissa às formas espetaculares (marketing e discurso) de se fazer política. Os fogos de artifício e os balões de Alice Portugal e Daniel Almeida (ambos do PCdoB) demonstraram bem isso. Os discursos dos candidatos, por sua vez, se pautavam em um passado histórico de lutas nacionais arbitrariamente apropriado por quem não luta (e ao invés disso permanece em confortáveis gabinetes com verbas até para contratar prostitutas) e em coisas banais, como quando o presidente pediu que todos abraçassem seus pais hoje (sic).

Contra minha vontade, meu voto se encaminha com suas próprias pernas em direção à anulação. Quem sabe algum dia a política não volta a ser politizada...

10.8.06

Monotonia

Lambam meus pés por adivinhar o óbvio. Em onze minutos de entrevista no Jornal Nacional, o atual presidente e candidato Lula se viu nove minutos interrogado acerca da corrupção.

Assim não tem graça, Bonner.

Pra ter graça eu mando os links abaixo:

bonner imitando clodovil

bonner magoadinho

Uma boa noite!

8.8.06

Jornal Nacional e Eleições 2006 - Resposta pública

Um amigo meu me mandou um scrap mais ou menos assim no Orkut:

"Você viu a entrevista de Alckmin ontem (07/08/2006) no Jornal Nacional? Os âncoras o colocaram contra a parede e perguntaram sobre escândalos de corrupção que eu nem mesmo sabia. Fiquei um pouco intrigado, gostaria de saber sua análise disso. Valeu. Até mais..."

Resolvi responder publicamente.

Quando Lula for entrevistado vocês verão a mesma ênfase da Globo nos casos de corrupção.

São três os motivos principais:

a) A Globo, desde os casos da manipulada cobertura das Diretas Já e do editado debate Lula-Collor, vem mudando paulatinamente seu modo de cobrir a política nacional. É o que se chama Padrão Globo de Jornalismo, uma idéia copiada da norte-americana CNN. Tem apostado muito mais em seu poder de notícia e em seu poder financeiro para ter um peso político perante os candidatos, ao invés da manipulação aberta de imagens e fatos. Tanto a estratégia é boa que hoje o ministro das comunicações do governo Lula é um ex-funcionário (mas ainda ligado) da Globo e ex-âncora do Jornal Nacional, Hélio Costa. Daí a Globo poder se dar ao luxo de rodar uma circular a todas as suas filiais regionais pedindo moderação na campanha eleitoral e avisando que não tolerará manipulações. Recado claro às TVs Bahias da vida que, não custa lembrar, durante a campanha pela cassação de ACM em 2001, quando houve o episódio da invasão da UFBA pela tropa de choque da PM nem sequer noticiou o caso. Mas o Jornal Nacional, sim, e com imagens de outras emissoras, uma vez que a TV Bahia nem sequer estava presente no local. Foi um momento de crise entre os Marinho e os Magalhães. A Globo tem apostado na modernização, inclusive na modernização da dominação.

b) O escândalo do “mensalão” deixou os brasileiros desanimados com a política, uma vez que haviam depositado em Lula a esperança de uma mudança de paradigma no próprio modo de se fazer política. O Padrão Globo incita a emissora também a falar o que o público quer ouvir, em uma tentativa (muito bem sucedida) de criar uma identidade entre emissora e telespectador. O discurso e os questionamentos anti-corrupção hoje estão em alta.

c) A Globo pode se dar ao luxo de mostrar um pouco de imparcialidade, uma vez que os dois candidatos mais cotados à eleição representam projetos políticos que não afetam os interesses do monopólio global.

Neste termos, é fácil ser imparcial. E até mais lucrativo.

30.7.06

De volta aos tempos de que nunca saímos


Talvez vossas senhorias julguem demasiado sensacionalista a análise seguinte. Mas de antemão notifico que, se o rótulo de sensacionalismo proceder, trata-se de um sensacionalismo que não objetiva vender mais exemplares a partir de uma manchete chamativa, mas sim, o fruto de uma grandiosa desolação. O fato é que, rondando pelos diversos websites que cobrem o cotidiano do massacre do povo libanês pelos fundamentalistas de Israel e dos Estados Unidos da América, encontrei uma foto um tanto atípica: uma criança desenhando em um míssil em plena casamata do exército israelense, já na fronteira com o Líbano. Abaixo da foto a legenda: “criança judia desenha em míssil destinado aos inimigos”. Tal cena lembrou-me o adestramento dos jovens e crianças pelos nazistas e stalinistas no século XX ou as guerrilhas africanas que também utilizam crianças em suas forças armadas. No entanto, o Estado israelense orgulha-se de seu estágio civilizacional, de suas Luzes, em contraposição à barbaridade manifestada pelos fanáticos do Hezbollah. Mas, em tempos de guerra, os parâmetros civilizacionais são deixados de lado e o adestramento retorna à cena de maneira explícita: “Vai, filhinha, desenhar no míssil que o nosso país vai mandar lá pro altão, bem perto do céu, e que vai nos proteger dos homens maus que querem acabar com o nosso povo e a nossa fé...”

Sempre se costuma dizer que as crianças são sinceras e inocentes e que, por essa razão, as ofensas oriundas delas são facilmente perdoáveis. Talvez pensando nisso tenha surgido a idéia dos desenhos infantis nos mísseis, tipo aqueles bonequinhos de palitinhos... Sim. Quem sabe ao ter uma perna arrancada, um filho assassinado ou uma casa pelos ares os libaneses não pensem: “Deixa pra lá... Olha que ursinhos bonitinhos desenhados...”

Mas o objetivo é claro: familiarizar, através destes ritos tribais dos desenhos em mísseis, o povo israelense com uma luta de longo prazo e que demandará o apoio incondicional das novas gerações à causa sionista. A meta: jogar os palestinos ao mar e esvaziar as zonas imediatas das fronteiras israelenses afim de garantir uma zona limítrofe à la muro de Berlim.

Enquanto isso Koffi Annan e sua patética ONU lamentam o fim do Food for Oil, programa que lhes garantiu uma vida agradável enquanto Saddam Hussein esteve no poder, e clamam pela paz com a mesma efetividade que o caquético papa (aliás, o novo papa não é caquético – esqueci-me que o gorducho já morreu). E que este libelo não soe como uma apologia à luta do Hezbollah. Trata-se de um grupo de fanáticos tão merecedor de meu respeito quanto Bush, o papa ou os especuladores internacionais.

Todas as épocas da história foram marcadas por lutas bárbaras e sanguinárias. Mas sempre houve um lado com o qual se podia criar uma identificação, um lado que, equivocadamente ou não, lutava pela liberdade e igualdade. A diferença, agora, reside no fato de que não há lado para o qual torcer. A esperança é que os Estados Unidos, o Irã, a China e a Rússia entrem na guerra e acabem com a história humana de uma vez por todas.

25.7.06

Mais uma guerra...

Israel avança sobre o Líbano. E quando digo sobre o Líbano me refiro também aos seres vivos que vão se tornando mortos. Mas, como se costuma pensar, vidas árabes ou orientais valem menos do que as nossas vidas brancas, ocidentais e de classe média. A imprensa mundial demonstra pateticamente um sentimento de desconforto e piedade ao qual verdadeiramente não dão lugar em sua ânsia pelo "furo" do dia. Sim, pois amanhã ninguém irá lembrar que uma guerra aconteceu e que seres humanos morreram naquilo a que Bush simpaticamente e de boca cheia chamou de bullshit. O mundo da vida cotidiana segue impecável até que os senhores do mundo decidam que é hora de romper o marasmo para pôr em uso os arsenais militares e justificarem, dessa forma, os altos orçamentos na área de defesa mesmo no mundo pós-Berlim, onde já não há claros inimigos no horizonte. Daí o inimigo não ser mais um Estado, mas os virtuais terroristas ou um grupelho como o Partido de Deus (Hezbollah). O cotidiano é efêmero como efêmera é a vida na visão estratégica da divisão mundial do poder e do lucro. Mas a morte haverá de ser absoluta, eis o nosso reconforto. Em homenagem aos mortos no Líbano (e em todos os lugares do mundo, pois não faltam pessoas a morrer) posto aqui um poema.


A morte absoluta

Morrer.
Morrer de corpo e de alma.
Completamente.

Morrer sem deixar o triste despojo da carne,
A exangue máscara de cera,
Cercada de flores,
Que apodrecerão - felizes! - num dia,
Banhada de lágrimas
Nascidas menos da saudade do que do espanto da morte.

Morrer sem deixar porventura uma alma errante...
A caminho do céu?
Mas que céu pode satisfazer teu sonho de céu?

Morrer sem deixar um sulco, um risco, uma sombra,
A lembrança de uma sombra
Em nenhum coração, em nenhum pensamento,
Em nenhuma epiderme.

Morrer tão completamente
Que um dia ao lerem o teu nome num papel
Perguntem: "Quem foi?..."

Morrer mais completamente ainda,
- Sem deixar sequer esse nome.

Manuel Bandeira